quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005

Regresso

As ruas da cidade estavam todas iluminadas por causa da época natalícia. Havia já dois anos desde que ele passeara por aquelas ruas. Passara a sua adolescência naquela cidade do interior e depois voltara para Lisboa com a família. Agora estava de volta, pelo Natal. E percorria as ruas naquele fim de tarde, que já anoitecia.
A rua estava cheia de gente, uma multidão atarefada com as últimas compras antes do feriado. Parou junto a uma loja, observou a montra e virou-se para continuar o caminho.
Foi então que a viu.
Se lhe tivessem dito, teria respondido que era impossível. Mas a verdade é que sentiu um choque. O seu coração deu um pulo e as pernas tremeram-lhe.
Como era possível, depois de tanto tempo, ela ainda lhe despertar a mesma reacção que provocava quando tinham quinze anos?
Ela tinha entrado numa livraria. "Claro", pensou ele. Sempre fora estudiosa, sempre agarrada aos livros. Com os seus enormes óculos e ar de maria-rapaz, nunca fora muito popular entre os rapazes da escola. Mas aos catorze anos apaixonara-se por ele. A troça dos colegas não se fez esperar mas ela não se deixou intimidar. Sem nunca falar do assunto, foi-se aproximando do grupo de rapazes e acabou por se integrar. A única rapariga.
Sujeitou-se às piadas estúpidas e à troça dos rapazes, apenas para estar perto dele.
Ao princípio ele irritara-se. Não gostava que gozassem com ele. Mas aos poucos habituou-se à presença dela e no fim do ano lectivo já sentia a sua falta quando ela não estava com eles.
Ela saiu da livraria, mas deteve-se a olhar para a montra. Mudara de óculos desde a última vez que a vira, e os olhos por trás deles pareciam diferentes. Mais cansados. Mais tristes. Como se aqueles sete anos tivessem sido vinte.
Mas no geral a sua aparência melhorara bastante. O cabelo, outrora descuidado, mantinha-se agora penteado, apenas uma ou outra madeixa mais rebelde a fugir à disciplina. Ainda se vestia de um modo descontraído, mas agora a roupa favorecia a sua figura, já não usava os camisolões largos da adolescência.
Ela retomou o caminho, o olhar ainda triste. Um grupo de crianças passou a correr e ela desviou-se, sorrindo. E ele reconheceu o sorriso doce de que sempre gostara nela.
Ela estava a aproximar-se, ainda sem ter dado por ele, que subitamente hesitou se devia ou não falar com ela. Lembrou-se de repente que não se portara bem com ela, na irreverência da adolescência não se ralara com os seus sentimentos e magoara-a. Mudara de cidade e não lhe dissera nada. Quando voltou, passou a ignorá-la. Não lhe falava, fingia que ela não estava lá. Porque o fizera, já não se lembrava. Parvoíces de miúdos. Mas muitas vezes sentira o seu olhar a observá-lo. A princípio magoado, depois zangado, por fim indiferente. Na última vez que a vira, ela deitara-lhe um olhar de fugida, frio, e voltara costas.
Já fora há alguns anos, mas a lembrança tornou-o tímido. Como iria ela reagir se ele a cumprimentasse? Ignorá-lo-ia? Ter-lhe-ia perdoado? Será que ainda se lembrava dele sequer? Passara assim tanto tempo?
"Decide-te depressa! Ela está ali! Que vais fazer? Vais deixá-la passar?"
Ela parou a poucos metros, observou uma montra e retomou a marcha, completamente abstraída, nem reparou que ele estava à sua frente.
Ele respirou fundo, avançou e de repente estava ali.
- Já não te via há muito tempo...
Ela virou a cabeça e focou o olhar nele. A hesitação deu lugar ao reconhecimento. Se ele ainda tinha dúvidas se fizera o que devia ao dirigir-se a ela, perdeu-as todas quando viu o regresso do brilho aos olhos dela e o sorriso radioso que a transformou de novo na rapariga alegre que conhecera.

Primeiro que tudo...

O que é escrito neste blog é ficção. Não corresponde à realidade. São simples exercícios de escrita, traduzindo em palavras as ideias que me surgem quando devia estar a fazer qualquer outra coisa.
De qualquer maneira, são coisas minhas. Quem encontrar isto pode ler à vontade e comentar. Aliás, comentários e críticas são bem-vindos, afinal, só poderei melhorar estes gatafunhos se tiver feed-back e sugestões. Para isso, estejam em vossa casa.
Agora, por favor, não copiem nada do que aqui está. Se quiserem colocar algo, completo ou em parte, em qualquer outro lado, contactem-me primeiro. O que escrevo não tem propriamente qualidade literária, mas é meu, e espero que isso seja respeitado.